29 junho, 2012

A noite do meu velório - (Sonhos)

Esta noite tive um sonho estranho, assustador, cômico, hilariante
estava deitado em um caixão sendo velado e pude ver tudo distante.
Minhas mãos, a cabeça, ergui os olhos e vi; da beirada do caixão
rostos sisudos dilacerados em canapés. Ninguém me viu até então.

Reconheci os meus pais chorando e foi então que percebi
que poderia entrar em seus pensamentos e ver tudo que se passava ali.
A dor era tão grande que fui obrigado a sair de lá correndo, sem pensar

Afinal, eu pensava ?
Não.
Na verdade sonhava e a cada instante, imenso, desértico e lancinante
sentia saudades da Sofia, dos instrumentos, dos amigos e dos livros na estante

Lá a Sofia estava bem maior, devia ter uns vinte e poucos anos de idade
não tive coragem de entrar em seus pensamentos, mas tive curiosidade

Encontrei um amigo de muito tempo e fui depressa ver o que ele pensava
Ele estava "preocupado por não ter pego a camisa que ficou emprestada"

Ali estava ela, mais velha, cansada e bem diferente de quando nos conhecemos,
tive curiosidade de saber o que ela pensava e entrei em seus pensamentos
Mesquinha! Absurda! Sem coração! enquanto eu morria ela pensava na pensão.

Sai correndo daquela ratoeira e voei para os pensamentos do meu irmão
Ali encontrei uma bagunça tremenda, tinha família, eu grande, ele pequeno
fotos, contra-baixo, recordação de viagem, livros e um estojo de maquiagem

Quando cansei de  assistir aquele filme bizarro e minhas forças haviam esgotado
voltei para minha nova "cama" lentamente, escorrendo como calda de caramelo.
Havia me recolhido para dentro do caixão quando a vi atravessar pela porta;

Os olhos inchados denunciavam o choro, o peito enconlhido, os ombros caídos,
chegou tímida, não conhecia minha família, não conhecia os amigos que ali estavam.
Deu vontade de chorar ao vê-la assim, aquela moça morena que tanto me fez sorrir
não perdi tempo, juntei o último suspiro que me restava e voei para seus pensamentos

Não vou descrever aqui o que vi nem o que senti, apenas uma coisa importa dizer:

Naquele instante eu morri nos braços dela, embebido em sua pupila num sono sem fim.

Assis Monteiro

11 junho, 2012

Um ser de areia (no tempo)

Poderia entregar-te meu anseio de não saber o que fazer com isso?
Daria assim um belo filme pra assistir com balde de pipoca no colo.
Poderia arriscar mostrar-te um quadro borrado guardado no sótão?
Um belo retrato de vida paisagem nos dias de solidão do sem fim.

Poderia dar-te todas as minhas chaves de casa, das portas às gavetas?
Seria um molho pesado e um belo passa (tempo) para sua curiosidade.
Poderia levar-te pelas ruas desertas de onde nasce o terror e o espanto?
Desceriam todos os anjos vestidos de sangue para dançar seus passos.

Poderia?
Sim poderia.
Mas não quero.

Assis Monteiro

06 junho, 2012

Já basta II

Incas, Astecas, Maias, Guaranis, Kaingangs, Carijós.
Povo bravo e guerreiro presente em cada um de nós.
A música, a poesia, os desenhos na parede são as nossas armas
Quebramos as bandeiras, agora é a nossa vez.
Tome cuidado sistema
não carregaremos mais merda pra vocês

Charles Raimundo

04 junho, 2012

Colheria meia dúzia de silêncios


Colheria meia dúzia de silêncios sortidos
E poria - os em vasos
Fitaria suas pétalas desnudas
ao picar salsinha
enquanto a faca pousa
bem devagar
sobre a tábua.

Colheria meia dúzia de silêncios sortidos
Uns dois daqueles constrangedores,
Quatro ou três de satisfação,
Pegaria apenas um e não mais,
Do silêncio moreno dos teus olhos.

Fato: sempre há de se colher silêncios ruidosos
Daqueles cheios de frases que não dizem nada.

Um punhado que não caísse das mãos
Dos silêncios que brotam quando nos fitamos cansados,
com os dedos falando em carinho,
digitais por cima das peles.

Feito erva daninha,
Vem, quase sem escolha,
Um tanto de silêncios por não saber o que dizer.

E um vaso só pra ele:
Silêncio de fim de dia.

Pensando assim, 
já são quase duas dúzias de silêncios.
É que há tanto para se dizer.
Enquanto a faca desliza cortando as folhas da salsa.

Ainda assim,
duas dúzias de silêncio
Não calariam nossas perguntas,
Não cessariam nossos dizeres.

Colheria duas ou três duzias de silêncios
Para te falar das coisas que não entendo.

Colheria um silêncio viçoso 
Só pra te acalmar os olhos,
E podermos nos ter assim,
Ruidosos,
na madrugada.

Colheria meia duzias de silêncios,
e ficaria na tua porta,
Te esperando,
de jeans e chinelos.
Te olharia nos olhos
E munida de silêncio
Nada diria.
Tudo seria claro, certo e entendido.
Te levaria pelos lábios
E desceríamos a rua sem palavras.
Mãos atadas
Rua a fora.
Dançaríamos na noite abraçados
Beberíamos os tropeços e os saltos

Silêncios risonhos brotariam nas calçadas.

Colheria meia duzias de silêncios,
Quem sabe duas, quem sabe doze.

E colheria quantos fossem necessário,
pra dizer - te,
dos silêncios amorosos que carrego,
e que não se valem das palavras para mostrar-se.

Colheria meia duzia de silêncios sortidos,
Poria - os em vasos,
Enquanto pico salsinha,
E espero você chegar.