25 novembro, 2013

Recesso

Troquei os óculos mas não adiantou.
Nem sei. Deveria?
Adiantar algo?

Ontem decifrávamos qualquer presença
e hoje sigo sem enxergar as cores
saboreando o caminho que escolhi
desconstruindo antigos ritmos.

é tanto medo guardado,
é tanto medo aguardando.

O quê de coragem faltante, foi suficiente,
e deu o ar daquilo que não gostamos de ver.

é tanta dúvida torta,
é tanta dúvida morta

que já nem duvido mais,
já não me preocupo tanto assim.

Em todos os lugares -
e isso eu não sei, apenas posso sentir
- estão as cores que deixei de enxergar.

20 maio, 2013

É preciso perder o rumo

Eu quis um algo mais
só não sabia o que
pra poder me encontrar
precisei me perder

em cada copo um sonho
em cada esquina o chão
nos lábios um sorriso
no peito uma aflição

estive por aí
sem rumo sem porque
passei o tempo todo
tentando ver pra crer

gosto tanto da insanidade
e do olhar do furacão
prefiro a sorte torta
do que viver a conformidade

14 abril, 2013

Impressões

De que lado nós estamos?
De que lado você está?
Esquerda?
Direita?


Enquanto eu olhava para o passado e pressentia o futuro
fui colhendo algumas impressões carregadas de sentimento
misturadas no meu corpo como se estivessem em um liquidificador.

Hoje cedo na rua Tenente Silveira,
a visão da índia sentada na calçada com seus filhos,
vendendo o seu artesanato, foi ali que bebi as primeiras impressões.

Continuei a olhar o passado e vieram mais impressões, mais sentimentos.

Nas mãos calejadas dos nordestinos que deixaram para trás sua terra natal
para tentar a sorte grande nas cidades de pedra assim como fez meu pai;

No rosto maquiado do travesti que só existe quando cai a noite;

Na fala muda do cidadão invisível de Alexandra Alencar;

No lombo cansado das multidões de trabalhadores nas filas da Previdência Social;

Nas costas arqueadas dos enormes bolos de carne esperando nas filas do SUS;

No choro dos seres multilados e trancafiados por suas escolhas;

No riso ezquisofrênico dos que são diferentes de mim e de você;

Na boca seca e rachada dos nóias da crackolândia;

Nos braços tatuados dos milhares de presos apodrecendo nas penitenciárias;

No olhar maldito dos policiais militares cheirando cocaína no vale do anhangabaú;

Nas pernas trêmulas dos moleques presos e espancados por fumar maconha;

No estômago torto da impotência e da humilhação perante as "autoridades";

Das invasões, das chacinas, das mortes e mais mortes causadas pela indiferença;

É o peso do martelo das diferenças.


De que lado nós estamos?
De que lado você está?
Esquerda?
Direita?

Eu estou do lado em que bate o meu coração.

01 abril, 2013

Com sentir

Falávamos sobre consenso.
Buscávamos o mútuo entendimento.

Um consentimento;
dois não.

COM sentimento
SEM sentimento

Agora é tarde.
Jamais saberemos.
Jamais CONsentiremos

29 março, 2013

Conversa de bar II

O garçom trouxe a bebida e um cinzeiro, passamos algum tempo observando as mesas ao redor, cheias de pessoas, cinzeiros, bebidas. O ruído de todas aquelas pessoas falando ao mesmo tempo dava uma sensação de limpar o ouvido com cotonetes.

Francisco estava sentado na outra extremidade da mesa, enquanto me fitava apagou o cigarro sem olhar para o cinzeiro;

- Assis, você é religioso?
- Sim.
- Então você tem uma religião?
- Não.
- Como assim?
- Não tenho uma religião.
- Não entendo, ser religioso então seria como ter uma filosofia de vida?
- Não.
- Mas você tem uma filosofia de vida?
- Não, uma não, tenho algumas.
- Não consigo conceber isto, para mim a minha filosofia de vida me norteia, é o que carrega tudo o quanto acredito ser e não ser dentre os valores sociais, éticos e morais, a minha crença e descrença etc... Ter mais de uma filosofia de vida seria como ter mais de um caráter.
- Caráter, sim; tenho inúmeros.

25 fevereiro, 2013

Tudo pelos cotovelos


Acho que nasci com manias.

Na verdade nasci com várias manias e sei que muitas eu fui adquirindo com o tempo.
E se digo que nasci com manias é porque algumas vieram comigo sabe-se lá de onde.

Por exemplo:

Tenho mania de falar, falar e falar pelos cotovelos
já tentei como alguns amigos ser mais discreto e menos falante
mas isso durou não mais que uma semana, talvez alguns dias.

Tenho mania de sonhar, sonhar e sonhar pelos cotovelos
já tentei como alguns amigos ser mais pé no chão e menos "viajante"
mas isso durou não mais que alguns dias, talvez algumas horas.

Tenho mania de amar, amar e amar pelos cotovelos
já tentei como alguns amigos "não mergulhar de cabeça" e ir "mais devagar"
mas isso durou não mais que alguns minutos, talvez alguns segundos.

Tenho mania de sentar em bancos de praça e ficar ali sentado, observando
pra ver se passa alguém que fale, sonhe, ame e que viva sem advertências.

Tenho mania de comer e falar de comida enquanto estou comendo.
Tenho mania de comentar música e de escutá-la com os poros.
Tenho mania de gostar de alguém cada dia mais e mais e mais.

Eu sei; sou cheio de manias, e posso até trocá-las por outras
mas continuo com elas,
as minhas manias.

Assis Monteiro.

05 fevereiro, 2013

Corações in-visíveis

Em tempo de antiga metrópole
vestir o caos é intuição
aqueles velhos óculos
da invisibilidade
da indiferença
dos 'outros'

Tenho dito que as multidões tem sensação de anonimato
andar neste mar de gente traz uma paz que é diferente

Em tempo de cansadas canções
despir-se é o necessário
daquela velha vaidade
da superficialidade
da intolerância
da ignorância

Assis Monteiro

23 janeiro, 2013

Farol

Ele nada sabe destes dias tão tranquilos
Traz nos ombros o conforto da ignorância
É metade paciência outra metade preguiça

Fatigado desse velho pensamento heróico
despojado de suas armas; uma de cada vez

Ele nada sabe destes dias tão finitos
Traz nos olhos o confronto do passado
É metade presente outra metade futuro

Ansioso em pintar seus próprios passos
calçado com a velha botina de seu pais

Ele nada sabe do tempo que lhe resta
Traz nos lábios o desconforto do fel
É metade fome outra metade sede

Melindroso por predizer dos mistérios
desta insondável esquina da vida

continua assim, caminha assim

com medo
com amor
com tudo

Assis Monteiro

17 janeiro, 2013

É pouca polpa aí o suco fica ralo

Um abraço demorado na porta da balada e o teu olhar desvendando corpos
como quem escolhe um leite condensado na prateleira do supermercado
É tudo leite condensado mesmo, então vai o mais barato!

Alguém se aproxima e pergunta como estou e isso faz meu estômago revirar
Distribuem sorrisos, dissimulando verdades, disseminando ilusões, semeando, semi-andando
A alegria em reconhecer é tão forjada que dói no peito que ainda tolera isto ou aquilo

Alguém se aproxima novamente e desta vez fala que é assim mesmo, "tá tudo certo"
Finjo prestar atenção mas meu pensamento voa em outro lugar longe de lá, longe, longe,
onde jorra o céu, as cores e os sabores, toda a vida que habita nesta pergunta: - Como vai você ?

Onde foi que deixei minhas tardes de sol?

Foi cedo ou talvez tarde, eu não saberia dizer, só sei que não foi tarde demais perceber o que há.
A água é boa, cristalina, inodora.
Mas de suco ralo eu passo tranquilo.

Francisco de Assis

09 janeiro, 2013

Conversa de bar I


(No bar)
Falávamos sobre música, literatura, poesia e um amigo me pergunta:

- Desde quando você escreve?
- Não me lembro...
- E porquê escreve?
- Boa pergunta, não sei dizer... agora me diz, você sonha quando dorme?

Assis Monteiro

08 janeiro, 2013

Apaguem as luzes

Tem dias em que a gente acorda do avesso, percebendo o mundo de fora para dentro
o que era um sentimento tornou-se hábito, aquilo que já foi rotina agora é descoberto.

Nesses dias as paixões se (con)fundem num mar de hábitos e hábitos e hábitos.
os hábitos que também se (con)fundem num mar de paixões e paixões e paixões.


Em dias assim me lembro de Jim Morrison cantando When the music is over:

"...Well the music is your special friend
     Dance on fire as it intends
     Music is your only friend    
     Until the end
     Until the end
     Until the end!..."